Estruturas Libertadoras como uma Linguagem de Interação

por Christiaan Verwijs


Uma reflexão sobre como as Estruturas Libertadoras são pensadas para mudar sistemas inteiros ajustando a forma como interagimos. E como fazer isso acontecer em todas as reuniões das quais você faz parte.


É tentador entender as
Estruturas Libertadoras como “técnicas de facilitação” – eu mesmo fiz isso. Embora em certo sentido elas absolutamente sejam, enquadrando-as desta forma arrisca-se colocá-las em uma caixa de ferramentas que é usada exclusivamente em workshops, treinamentos e eventos e as coloca diretamente no domínio de “facilitadores profissionais”. Mas quanto mais eu as uso, mais eu entendo que elas são projetadas para mudar sistemas inteiros. As pessoas devem usá-las onde quer que os grupos interajam.

Essa percepção foi fortemente enfatizada há alguns dias, durante um Option Space (uma versão adaptada de Open Spaces) sobre Estruturas Libertadoras que eu facilitei com Barry Overeem.

O que aconteceu?

Uma das sessões girou em torno de um caso intrigante que foi introduzido por um dos participantes. Oito outras pessoas reuniram-se nesta sessão de 30 minutos, se sentaram ao redor de uma grande mesa e conversaram em grupo. O tipo que você encontra frequentemente nas organizações.

Como facilitador, eu estava andando pela sala para ter certeza de que os grupos nos quatro caminhos paralelos tivessem o que precisavam. Percebi como três dos quatro grupos mostraram altos níveis de envolvimento (inclinar-se para frente, contato visual, sem distrações). Mas não esse grupo em particular. Claro, três ou quatro pessoas pareciam envolvidas em um debate animado. Mas outros estavam profundamente interessados em seus telefones, olhavam ao redor da sala para ver o que os outros grupos estavam trabalhando ou lutavam para encontrar um momento para adicionar seus comentários. O que acabou sendo bastante difícil, já que as pessoas que dominavam a conversa simplesmente interrompiam os mais quietos, estimulando-os a se desengajar da conversa. Eu também notei que esse grupo era o único grupo que não usava uma Estrutura Libertadora para sua interação.

Me aproximei do grupo e sentei próximo para observar. Uma esperança que sempre tenho é que as pessoas participando de um Meetup sobre Estruturas Libertadoras vejam a oportunidade ade aplicá-las em suas interações. Mas existe uma frequente relutância em tentar algo novo com pessoas  que você não conhece de fato. Ou de interromper pessoas que estão falando para sugerir algo novo. Assim os grupos tendem a se manter nos padrões de interação que conhecem – neste caso, a discussão livre-para-todos (ou o ‘rodeio do cabrito’).

Algumas pessoas me notaram e lançaram-me olhares que diziam, ‘Pois é, nós sabemos – mas o que fazer?”

Eu observei como as pessoas perceberam que aquela interação não estava funcionando, mas se sentiam impotentes para mudá-la. Percebi olhares frustrado conforme as pessoas eram cortadas. Algumas pessoas me notaram e  lançaram-me olhares que diziam, ‘Pois é, nós sabemos – mas o que fazer?”. Muitos dos participantes neste grupo tinham uma limitada experiência com Estruturas Libertadoras e aqueles que tinham nem viam a oportunidade ou não sabiam como agir.

Então eu abordei o grupo e compartilhei minhas observações. Sugeri que experimentássemos uma Estrutura Libertadora para estruturar essa interação. Eu sugeri tentar “Wise Crowds”, pois essa era uma situação em que uma pessoa precisava de ajuda com um desafio que enfrentavam (sendo o “cliente”). O grupo concordou e eu me ofereci para iniciar. O grupo então se envolveu em uma conversa estruturada que levou quinze minutos (sem minha presença). Depois, o grupo observou:

  • O cliente recebeu muitas dicas práticas simplesmente ouvindo os consultores falarem sobre possíveis soluções nas suas costas. Eu notei o cliente sorrindo em muitas ocasiões por causa de ideias sugeridas;
  • Sem o cliente intervir ou interromper, os oito consultores estavam muito mais envolvidos em sua conversa. Os participantes se inclinaram para ouvir, olharam uns para os outros e estavam prestando muito menos atenção ao que acontecia fora de seu grupo;
  • Dentro de um intervalo de quinze minutos, o cliente recebeu ajuda prática. A partir dessa ajuda, ele também destilou percepções adicionais e afirmações de coisas que ele já suspeitava;

Este é apenas um exemplo de como as Estruturas Libertadoras reestruturam uma interação de grupo em algo muito mais produtivo e envolvente. Não foi perfeito de forma alguma, mas foi muito melhor daquilo que estava acontecendo antes.

Impressões do Options Place que organizamos. O grupo que utilizou Wise Crowds está no canto superior esquerdo. Embora eu não tenha uma foto “anterior”, você pode ver que as pessoas estão se olhando e a maioria das pessoas está se inclinando e  ativa. Observe também a falta de uma tabela e como ela promove o engajamento.

E daí?

Vamos encarar; a maneira como interagimos em grupos está terrivelmente falida. Nas organizações encontramos inúmeros exemplos das temidas reuniões semanais da equipe, reuniões de gerenciamento e (frequentemente) os vários Eventos Scrum.

”Vamos encarar; a maneira como interagimos em grupos está terrivelmente falida.”

Sempre que nos encontramos em grupos, nossas interações tendem a se encaixar em cinco estereótipos padrões. Nós temos três abordagens altamente estruturadas: a apresentação, a atualização de status e a discussão gerenciada. Em cada uma delas, uma única pessoa ou um pequeno comitê controla a conversa naquele momento e decide o que acontece a seguir. Por outro lado, temos dois padrões não estruturados na forma de brainstorming e a discussão aberta.

Os problemas com esses cinco padrões estereotipados são abundantes e fáceis de ver. Primeiro, eles são ou muito estruturados ou muito frouxos. Isto facilita com que todo tipo de dinâmica de poder entre em jogo, e um pequeno grupo de participantes “seqüestre” tanto a direção quanto o conteúdo da conversa. Embora isso geralmente não seja feito com más intenções, significa que a contribuição de vozes mais silenciosas e a diversidade sejam perdidas. Da mesma forma se vão as idéias, a criatividade e a inteligência. Outro resultado desse controle unilateral é que as pessoas se sentem menos envolvidas com a conversa. Se você não consegue contribuir ou influenciar a conversa, para que você estaria envolvido nela?

As Estruturas Libertadoras não pretendem resolver completamente esses problemas – a interação humana continua sendo confusa e complicada. Mas elas promovem estrutura suficiente para que as interações em grupo tenham espaço para as vozes mais silenciosas e permitam que todos se envolvam e participem da conversa. Cada Estrutura Libertadora é cuidadosamente especificada em cinco microestruturas de design para a interação:
Qual é o convite para a conversa?
Como o espaço é organizado?
Como a participação é distribuída?
Como os grupos são configurados? e
Qual é a sequência de etapas e tempos?

E agora?

É tentador considerar as Estruturas Libertadoras como meras “técnicas de facilitação”, mas assim arriscamos colocá-las em uma ‘caixa’ que só é usada em workshops, reuniões e treinamento com a presença de facilitadores. O ponto das Estruturas Libertadoras – se você realmente quer causar impacto – é usá-las nas conversas do dia-a-dia que você tem com as pessoas. Use-as nas reuniões da sua equipe, no seu Daily Scrum, na sua sessão de solução de problemas e quando estiver falando sobre como progredir em uma meta ou objetivo compartilhado.

1. Juntos, aprenda Estruturas básicas

O primeiro passo é aprender as Estruturas Libertadoras fundamentais, como 1-2-4-ALL, Impromptu Networking, What, So What, Now What, UX Fishbowl e Troika Consulting. Elas são versáteis, flexíveis e fáceis de aprender e facilitar. Conhecer pelo menos algumas Estruturas Libertadoras e seus propósitos pode ajudar a identificar oportunidades de usá-las (‘Talvez 1–2–4-ALL possa ser usado aqui para explorar opções e ver o que é melhor para nós? ”Ou“ Vamos analisar a situação com mais detalhes usando What, So What, Now What?’). Participar de um grupo de usuários local – como o nosso grupo na Holanda – é um ótimo começo. Ou aprenda muitas Estruturas Libertadoras diferentes em uma Imersão de 2 dias (Calendário de Imersões no Brasil).

2. Juntos, faça acordos de trabalho para encorajar o uso das Estruturas Libertadoras

O segundo passo é fazer acordos de trabalho no início de qualquer interação do grupo para encorajar o uso de Estruturas Libertadoras e criar oportunidades para inseri-las e experimentá-las. Por exemplo:

  1. Concordamos em compartilhar a responsabilidade de identificar e testar Estruturas Libertadoras que possam permitir que mais pessoas sejam incluídas e envolvidas nessa interação;
  2. Concordamos em permitir e encorajar qualquer pessoa deste grupo a experimentar uma Estrutura Libertadora;

 

3. Entenda as Estruturas Libertadoras como uma linguagem para interação

Estruturas Libertadoras são uma linguagem para interação em grupos. Cada Estrutura é uma palavra nessa linguagem e combiná-las permite que você crie frases significativas. Pode ser tentador considerar as Estruturas Libertadoras como recursos em uma caixa de ferramentas de facilitação, e de certa forma elas certamente são, mas seu verdadeiro poder reside em combiná-las em ‘sequências’ (strings) para acomodar as várias fases de uma interação. Isto é reconhecer que as interações dos grupos se movem por diferentes estágios. Por exemplo, um grupo pode primeiro precisar esclarecer o problema que está enfrentando. Uma vez esclarecido, eles precisam explorar opções. Finalmente, eles precisam decidir quais opções implementar e determinar os próximos passos. Diferentes Estruturas Libertadoras são adequadas para cada estágio. Você pode começar com Impromptu Networking para esclarecer o problema, aprender com pessoas que têm experiência com o problema com o UX Fishbowl, explorar e selecionar opções com 25/10 Crowd Sourcing, aprofundar as opções mais viáveis ​​com 1–2– 4-ALL e decidir os próximos passos com 15% Solutions. Este é apenas um exemplo de como as Estruturas Libertadoras podem ser usadas como uma linguagem de interação.

“Estruturas Libertadoras são uma linguagem para interação em grupos”

Isto é o que acontece quando as pessoas estão engajadas e envolvidas em uma conversa. Fotos de pessoas durante as Estruturas Libertadoras.

Pensamentos Conclusivos

Tratar as Estruturas Libertadoras como ‘técnicas de facilitação’ arrisca relegá-las ao campo dos facilitadores profissionais. E também arrisca colocá-las em uma ‘caixa de ferramentas’ que só é usada em workshops, reuniões e treinamento com a presença de facilitadores.

Em vez disso, acho útil entender as Estruturas Libertadoras como uma ‘linguagem de interação’. Quanto mais familiar se torna para mais pessoas em um grupo, mais fácil e natural é usá-las. E mais fácil é parar com as terríveis interações de desengajamento que costumamos ter em grupos, especialmente nas organizações. Com Estruturas Libertadoras podemos começar a mudar organizações inteiras ajustando o modo como grupos e indivíduos interagem.

Texto de autoria de Christiaan Verwijs traduzido por Fernando Loureiro

 

Estruturas Libertadoras são de autoria e curadoria de Henri Lipmanowicz e Keith McCandless, apoiados por uma série de usuários e praticantes

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